A difícil arte de escrever sobre nada
Outra coisa que o indignava era que não tinha nem uma pequena parte do vocabulário dos escritores que admirava. Tinha que trabalhar um pouco mais para entender nomes de tantos pássaros e árvores que habitavam seus livros favoritos, mas que sua infância na selva de pedra urbana havia suprimido. Curiós, cambacicas e colibris eventualmente eram confundidos com plantas, mas sempre salvos por algum dicionário.
João Pedro se tornou literariamente frustrado no dia em que se deu conta de que nada acontecia a sua volta. Ele ainda insistia que sua vida era tão tediosa e comum que sempre lhe faltaria experiência prática para extrair alguma poesia da fila da padaria, mesmo indo lá todos os dias. Com vergonha, conformou-se que sua rotina de levantar pela manhã, escovar os dentes, barbear-se e tomar banho nunca estampariam as páginas de algum periódico. Nunquinha. Nem mesmo serviriam para estampar um poema no ônibus. Queria estar entre Quintana e Nietzsche, e dominar a arte dos aforismos. Quem sabe ganhar as janelas dos coletivos. Nem aforismos, nem crônica, João Pedro foi especialista em resignação.
Nem mesmo a sua luta atrás da arte de escrever lhe inspirou.
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