:: A Clockwork Blog ::

30.5.08

A difícil arte de escrever sobre nada

João Pedro morreu mantendo uma relação de respeito com aqueles que dominavam a arte da escrita. Seu interesse girava em torno de um tipo de texto: a crônica. João Pedro tinha especial gosto por essa categoria porque achava que as letras deveriam servir o máximo ao cotidiano. Mais do que isso, João Pedro achava que os grandes feitos haviam se tornado grandes justamente porque alguém escrevera muito bem sobre eles. Isso significa, para ele, tanto dominar a técnica quanto possuir um olhar apurado sobre as pequenas coisas. Mas essa visão microscópica demandaria alguma energia.

Outra coisa que o indignava era que não tinha nem uma pequena parte do vocabulário dos escritores que admirava. Tinha que trabalhar um pouco mais para entender nomes de tantos pássaros e árvores que habitavam seus livros favoritos, mas que sua infância na selva de pedra urbana havia suprimido. Curiós, cambacicas e colibris eventualmente eram confundidos com plantas, mas sempre salvos por algum dicionário.

João Pedro se tornou literariamente frustrado no dia em que se deu conta de que nada acontecia a sua volta. Ele ainda insistia que sua vida era tão tediosa e comum que sempre lhe faltaria experiência prática para extrair alguma poesia da fila da padaria, mesmo indo lá todos os dias. Com vergonha, conformou-se que sua rotina de levantar pela manhã, escovar os dentes, barbear-se e tomar banho nunca estampariam as páginas de algum periódico. Nunquinha. Nem mesmo serviriam para estampar um poema no ônibus. Queria estar entre Quintana e Nietzsche, e dominar a arte dos aforismos. Quem sabe ganhar as janelas dos coletivos. Nem aforismos, nem crônica, João Pedro foi especialista em resignação.

Nem mesmo a sua luta atrás da arte de escrever lhe inspirou.

18.1.08

101 DIAS EM BAGDÁ

Nove meses depois e nenhuma criança na história, abro as cortinas e bato os tapetes para retirar um pouco do pó do blog. Entre alguns dos motivos da ausência, além da injustificável preguiça, está a vida profissional. Há quase um ano estou trabalhando em rádio, o que tem me tomado um bocado de tempo e demandado considerável esforço mental. No entanto, dei-me conta da urgência de voltar a escrever recentemente ao entrevistar uma autoridade, que ao me soletrar seu sobrenome de origem polonesa cortei seu raciocínio com um comentário do tipo:

- Não é necessário saber como se escreve. O senhor poderia me explicar como se pronuncia?

A este primeiro sinal de burricis iminentis, aliou-se uma recente leitura. Estou nas últimas páginas de uma bela lição de jornalismo e competência profissional: “101 dias em Bagdá”, da igualmente bela jornalista norueguesa Asne Seierstad (foto), conhecida também por escrever “O livreiro de Cabul”. Nele, a repórter narra as agruras e os obstáculos de contar a história de iraquianos que, após anos de uma ditadura implacável, se vêem à frente de bombas e estilhaços que irrompem janelas e portas matando família inteiras, ao mesmo tempo em que tentam tocar a vida como se nada estivesse acontecendo. Até mesmo para uma jornalista escandinava vinda de um país frio em que nada parece acontecer - mas que possui um vasto currículo de cobertura de outras guerras - aquele cenário é brutal. Ela chora, pelo menos umas duas vezes até agora.

Paralelo ao produto de seu trabalho, ela descreve os desdobramentos e os obstáculos que precisa superar quase diariamente apenas para poder mandar seus artigos aos jornais para os quais trabalha, os boletins para rádios européias e canadenses, as entradas ao vivo para televisões de um punhado de países... ufa!

Foi neste capítulo que eu fiquei com vergonha.

Mas, além de um exercício didático de retomar a escrita e tentar me tornar um pouco mais multimídia, de fato “101 dias em Bagdá” é uma leitura envolvente e que flui graças à tensão da narrativa e ao seu conteúdo histórico. São histórias de Mohameds e Fátimas que a televisão não mostrou, e nem poderia. Provavelmente também choraríamos.

Em tempo: não sei se compraria esse livro, mas gratamente caiu-me às mãos como cortesia após ter a oportunidade de conhecer pessoalmente a própria Asne. Em uma concorrida coletiva em uma tarde quente de Porto Alegre, tive a oportunidade de fazer a primeira pergunta a ela – uma norueguesa que só conhecia até então pelo nome na capa de “O Livreiro de Cabul”.
- Das coberturas que você vez até hoje, qual foi a mais difícil e por que?
(Como jornalista, sempre fico curioso em saber os obstáculos das matérias mais difíceis e como se sair delas)
- Humm... I don’t know. (Pensativa). Esta é uma resposta difícil. Acho que o Iraque, por causa das circunstâncias.

Mais um bom motivo para continuar lendo “101 em Bagdá”.

13.3.07

A BOLA DA VEZ

Alimentando a mais recente febre da indústria cultural - a filosofia - eis que encontro uma pérola dos mestres do Monty Phyton. Muito melhor do que "O Mundo de Sofia", hehe. Enjoy.


5.1.07

UM MINUTO DE HUMOR

Saddam, forca, Iraque, Estados Unidos, imperialismo.... é, a conversa ainda vai longe. Mas, afinal, como os norte-americanos vêem o mundo? Recebi uma possível resposta.

Ótimo 2007 para todos!


19.12.06

DEMOCRACIA CHARLES BRONSON

Triste ironia. Escrevi cinco dias atrás sobre a imoral decisão do Congresso em aumentar os próprios salários e sobre a necessidade de ação. Só não esperava tão cedo que alguém incorresse no erro de confundir ação com agressão, protesto com violência, indignação com pura estupidez.

O nome da mulher ao lado é Rita de Cássia Sampaio de Souza, 45 anos. Fazendo valer seu livre-arbítrio como cidadã pagadora de impostos e revoltada com a “classepolitika” (como poderia dizer Elio Gaspari), ela simplesmente pegou uma faca e, no melhor estilo Charles Bronson, foi atrás de vingança com as próprias mãos. Sobrou para o deputado federal pela Bahia ACM Neto, o playmobil (como diria José Simão).

Felizmente ele já está bem, pois a facada desferida nas costas não atingiu nenhum órgão vital. Não caio nem um pouco de amores pela família Magalhães, dona do Estado da Bahia, apenas defendo que ações, digamos, menos incisivas seriam mais eficientes. E mais legítimas.

Os motivos do ataque teriam sido dois. De acordo com o delegado que atendeu a ocorrência, a agressora procurou o deputado para cobrar uma promessa que ele teria feito a ela de liberar seu FGTS junto à Caixa Econômica Federal. Como não teria sido atendida pelo neto do ACM, ela ficou nervosa e resolveu praticar a agressão.

Segundo o delegado, Rita de Cássia também citou o aumento de mais de 90,7% nos salários dos parlamentares, aprovado pelo Congresso na semana passada, como motivo secundário para o ataque.

Facadas não adiantam. ACM Neto – infelizmente – tem legitimidade para continuar vivo e atuando como deputado. O playmobil foi reeleito em outubro para mais um mandato de deputado federal, com 436.966 votos. Uma senhora legitimidade, por sinal, figurando como o mais votado no Estado e com uns bons 130 mil votos à frente do segundo colocado.

Paciência.


Crédito da foto: Romildo de Jesus/AE

18.12.06

PARNASIANISMO


Novo layout do blog: privilégio da forma em detrimento do contéudo.

14.12.06

SALÁRIO MÁXIMO

Defendo uma teoria, meio estranha admito: a democracia funciona.

Democracia, segundo o Aurélio, é “(1) governo do povo, soberania popular; (2) doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder”.

Hoje, o Brasil resolveu escrever mais um capítulo no aperfeiçoamento do sistema e seguiu dando exemplo aos preceitos democráticos. A despeito do modelo político de representação adotado no Brasil ser importado dos eficientíssimos países escandinavos, os nossos representantes resolveram “igualar” um pouco mais os poderes à sua maneira.

À moda miguelão, quero dizer.

Enciumados, deputados e senadores definiram que querem ganhar o mesmo que um ministro do STF, que já recebe uma mixaria. Em um ato de extrema generosidade, os nossos políticos estão deixando de herança para os recém-eleitos um reajuste de 90,7% nos vencimentos. Baita salário, pois dos R$ 12.847,20 atuais, os políticos passarão a ganhar R$ 24,5 mil.

Penso que dificilmente será recusado o agrado, pois não caberia tamanho gesto de deselegância.

Assim, fica extremamente difícil de não achar que tudo isso não é culpa apenas de vossas senhorias. E não que não o seja de fato. Mas como um bom sonhador, (“sou brasileiro e não desisto nunca”, diria um BBB), acredito que emana do povo um poder que, no caso brasileiro, ainda não está sendo bem aproveitado. Muito sonham com a revolução, com o pegar em armas, enfim, têm sonhos mais ao estilo Rambo do que eu. Eu insisto em acreditar que “democracia” tem a ver com governar de baixo para cima.

No entanto, como está arraigado na nossa cultura um instinto patrimonialista bem antigo, é mais fácil culpar os de cima pelo que acontece embaixo, e não o contrário. Tal conveniência foi, é e continuará sendo explorada pelos oportunistas enquanto o mundo for mundo e não nos darmos conta de que isso só será solucionado a partir da soma de pequenos esforços de cada um. Mas nada desses papos de “conscientização” (aliás, tem palavra mais vulgarizada? Pretendo escrever algo sobre isso em breve). Todos sabemos do poder individual: a maioria apenas não se sente recompensada e por isso cruza os braços. Está na hora da ação. Mas guarde a foice, o martelo e o coquetel Molotov. Apenas veja a lista dos que aprovaram a obscenidade e procure não repetir o erro daqui a quatro anos.

Tião Viana (PT-AC)

Renan Calheiros (PMDB-AL)
Givaldo Carimbão (PSB-AL)
Benedito de Lira (PL-AL)

Coubert Martins (PPS-BA)
José Carlos Aleluia (PFL-BA)

Bismarck Maia (PSDB-CE)
Inácio Arruda (PCdoB-CE)

Carlos Willian (PTC-MG)
Mário Heringer (PDT-MG)

Demóstenes Torres (PFL-GO)
Sandro Mabel (PL-GO)

Efraim Moraes (PFL-PB)
Wilson Santiago (PMDB-PB)
Ney Suassuna (PMDB-PB)

José Múcio (PTB-PE)
Inocêncio Oliveira (PL-PE)

Ciro Nogueira (PP-PI)

Miro Teixeira (PDT-RJ)
Rodrigo Maia (PFL-RJ)

Sandra Rosado (PSB-RN)

Luciano Castro (PL-RR)
Ideli Salvatti (PT-SC)

Jorge Alberto (PMDB-SE)

Aldo Rebelo (PCdoB-SP)
Arlindo Chinaglia (PT-SP)